quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Glauco

Confesso que, relendo A República, senti admiração por esta figura mais ordinária, talvez inventada por Platão para justificar o discurso de Sócrates, para dar ao discurso uma aparência de maiêutica, quem sabe. Aqui vai uma seleção de seus melhores momentos:

- É verdade.
- É evidente.
- Estou de pleno acordo contigo.
- Muito justo.
- Não há dúvida.
- Nada mais certo.
- Percebo.
- Com toda a certeza.
- Com efeito.
- Necessariamente.
- Acordado, sem dúvida
- É incontestável.
- Efetivamente.
- Boa notícia!
- É forçoso que assim seja.
- Atento, e vejo que falas verdade.
- Como sempre, tuas palavras tem lógica.
- Acredito que não pode ser de outra maneira.
- Essa observação é inteiramente exata.
- Considero-a prudente nas suas deliberações.
- Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.
- É evidente que chegará a esta conclusão.
- Sim, por Zeus!
- Por Apolo! Que maravilhosa superioridade!

Por mais que soe como piada, a postura de Glauco é admirável. Um discurso verdadeiro só é verdadeiro na medida em que é identificado pelo outro como parte interior de si. Glauco está aberto ao mundo, disposto a ouvir e interessado no que alguém tem a lhe dizer. Por vezes, faz perguntas, incentivando Sócrates a expressar-se mais justificadamente. Por vezes, supreende-se ("Por Apolo!") quando parece ter uma epifania ou compreender uma conclusão válida. E permite que Sócrates coloque e justifique seu ponto-de-vista sem ameaçá-lo ao ver-se contrariado, ou fechar os tímpanos para manter suas certezas - desenvolve com Sócrates a dialética mais suscinta, sem conflitos egóicos. Também não é um seguidor - exige uma explicação de Sócrates ao invés de ter fé absoluta em suas opiniões de princípio. Ao contrário de um Polemarco, Trasímaco ou Adimanto - quem sabe até do próprio Platão, em alguma medida.

Admiro Glauco. Queria que Glauco também tivesse escrito sua versão da República... O primeiro documentariasta? Hoje em dia, acho que deviamos lembrar de Glauco com mais carinho, pois só quem sabe que nada sabe pode ser verdadeiramente simples. E as vezes, estamos mesmo derrotados e cansados. Falta-nos simplicidade em nossa relação com o mundo, talvez por que a gente ache que saiba demais e temos pouco o que aprender.

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