segunda-feira, 15 de junho de 2009

Breve Consideração


É difícil apontar um problema de conduta sem se isolar em uma torre de marfim, sobretudo em tempos em que tolerância é sinônimo de condescendência, e que todo apontamento ecoa como uma espátula rigorosa demais. Mas o mundo, por mais que aparentemente estagnado, ainda está em construção, sujeito a re-organização de suas órbitas. Sobretudo, é preferível o isolamento crítico do que uma comunhão de tolerância estática, ou uma exaltação da diferença sem contato ou progresso.

Um perfil bastante comum se tornou o do indivíduo que pinta uma paisagem colorida sobre um vazio existencial fundamental, reconhecendo a mutabilidade da pintura, convencido de que a mentira é um bálsamo sincero o bastante para se seguir adiante, e de que a meta não é mais do que a passagem. A redenção está num presente vago, transitório e inventado. O passado está morto. O futuro não deve ser alcançado. Esta atitude em relação ao mundo funda desde as filosofias de inventário até o formalismo insípido de determinados artistas contemporâneos, e permanece como pai de uma geração radicalmente à deriva. O problema é ainda de outra ordem: uma mentira desenraizada não se sustenta. O vazio espreita aguardando o primeiro vacilo. Logo, com a sucessão, as mentiras perdem o frescor e se tornam velhas e artificiais, e o foco de preocupação não são mais as paisagens coloridas, mas quem as pinta. Deste ponto, podemos despencar para um psicologismo salvador, ou sermos rigorosos o bastante para investigar o que realmente nos move, o que realmente nos transforma, o que realmente abala nossa existência e obriga que a estrutura da alma se renove, que a estrutura da alma se comova até nunca mais poder ser a mesma. Talvez somente então, neste ponto imaginário, é que possamos pintar paisagens verdadeiramente novas.

sábado, 6 de junho de 2009

Lumiar

Resseca os olhos um clarão nuvial,
Sob as sombras nas fronhas de outra estação
Os barquinhos ancoram da ancestral ilusão
O orgão do tempo titubea espiral

Um chapéu de palha, um gesto no sertão.
Na tina, o banho agreste esconde o que deita.
O afã vergonhoso da nobre colheita
das maduras pitangas, a permuta razão

Elevados redomas, a altivez dos ombros
Erige passo a passo sustenida solidão
No fundo do vácuo, um suspeso alazão
Um suspenso alazão de claros sobrolhos

Encontras-te os percevejos,
Onde sempre os escondeste
Nas caronas por elísios,
Até mesmo de ti?