domingo, 25 de abril de 2010

"And here is Zizek, claiming that Post-Theory

... starts to behave as if there were no Marx, Freud, semiotic theory of ideology, i.e. as if we can magically return to some kind of naivete before things like the unconscious, the overdetermination of our lives by the decentred symbolic processes, and so forth became part of our theoretical awareness.

Zizek can´t entertain the prospect that ideas can be "part of our theoretical awareness" and still be invalid. Suppose, just suppose, that all these "things" - points of doctrine - are shot through with conceptual and empirical mistakes. This is what Prince, Carroll, and I are saying. We don´t ignore this theory; we criticize it. Being skeptical about weak theories isn´t a return to innocence. It´s an advance; it can cast out error. The task is not to call us naive but rather to show that the unconscious, the overdetermination of so on and so forth remain valid ideas. The way to show this is not by waxing nostalgic for the days when everyone read Althusser, but by overcoming our criticisms. Yet in Zizek´s hands, confirming Carroll´s objections once more, Lacanian theory functions as a set of axioms or dogmas rather than working ideas to be subjected to critical discussion.

Post-Theory argues against the very idea of Theory and supports the idea of theories and theorizing. Theories operate at many levels of generality and tackle many different questions. Theorizing is a process of proposing, refining, correcting, and perhaps rejecting answers, in the context of a multidisciplinary conversation. But for Zizek, the unconscious, the overdetermination of our lives, and all the rest is Theory entire and whole. No intelectual activity (save "historical research") lives outside it, and it can be discussed only by those already accepting the premises of its sacred texts. And once the only correct Theory is packaged with the only correct political attitudes, you have a powerful weapon against anyone who differs. FRT confirms Carroll´s claim: 'The theory has been effectively insulated from sustained logical and empirical analysis by a cloack of political correctness'. "


Assino embaixo das excelentes palavras de Bordwell.

O que mais comum de se ver hoje em dia são lacanianos-marxistas assumindo teses como posturas políticas, sem qualquer visão crítica quanto às próprias pré-suposições, submetendo o mundo empírico a conceitos como grande outro, inconsciente ou processo histórico, organizando-se em movimentos e escolas nostálgicas sem perceber que todo o academicismo que geram não tem efetividade alguma no mundo, e que as suposições que decorrem das teorias que idolatram não estão dando resposta nenhuma ao mundo senão um senso utópico e ultrapassado de união.

Qualquer um que não assume seus pontos de partida ontológicos criados pela percepção da vida como tal é inocente e "ainda não chegou lá".

Ironias a parte: A dialética não é um processo histórico ontológico - é apenas um dialogo de troca que visa responder problemas que vem e vão; O grande outro não é um fundamento opressor com o qual "estamos sempre em relação", mas apenas mais uma maneira de se enxergar a relação do homem com o mundo (da qual eu, estando no mundo e vendo os problemas que ele enfrenta hoje em dia, só posso discordar).

Quando vejo toda esta pretensa intelectualidade, só posso pensar: para quê traçar um caminho longo e árduo se você já discorda com os termos estabelecidos no ponto de partida?

Fala sério, mermão. Esta brincadeira de desejar um fundamento único (e, no final "vazio", por que só isto realmente que ele pode ser) para todas as coisas só é interessante se o produto gerado é interessante - e tenho dificuldade de entender por que diabos o processo histórico e o grando outro são interessantes em tempos que já provaram, através de sua própria desolação, que o que o homem precisa hoje em dia não é tanto uma tomada de poder político ou redistribuição dos meios de produção, ou sessões de psicanálise contínuas afim de que possa tomar consciência de sua condição e das relações de opressão que o envolvem.

Precisa, na realidade, readquirir intimidade com seus próprios pensamentos e dúvidas; precisa de filosofia desinstitucionalizada; aquela do flauner que observa o mundo a sua volta, em seus traumas e contradições, e busca continuamente re-elaborá-las, para si e para os outros, a partir de si e dos outros também. Precisa ser o que seus próprios olhos são, e como são, em meio ao mundo, dos objetos em direção à abstração, e não da abstração em direção aos objetos, ou, pior que isto, da abstração à abstração.

Abaixo a Lacan, Marx e Nietzche.
Levanto a bandeira de Sócrates, Rancière, Joyce e Melville.



quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um trecho de Faulkner


"Eu não desejava mais e não podia aceitar menos, pois aos dezenove anos já devia saber que a vida é um instante contínuo e perpétuo, onde o véu-de-arrás se estende dócil e até mesmo alegre sobre o-que-tem-de-ser, iluminando a verdade mais nua se nós tivermos coragem, formos corajosos o suficiente para (não sabios o bastante: não há necessidade de sabedoria) rasgá-lo. Talvez não seja a covardia que não nos deixe encarar essa doença a corroer a fundação básica desse esquema factual, onde a alma prisioneira, vertente-miásmática, se torce sempre em direção ao sol, repuxando suas tênues artérias e veias aprisionadas e aprisionando, por sua vez aquela centelha, aquele sonho - o sonho que, enquanto o pleno e esférico instante de sua liberdade se espelha e repete (repete? cria, reduz a uma diminuta esfera frágil e iridescente) todo o espaço e o tempo e a terra maciça, despojos da efervescente e miasmática massa anônima que em todos os tempos não tem apreendido a generosidade da morte como uma recriação, uma renovação, e então morre, desaparece, vai-se: não sobra nada. Mas é aquela sabedoria verdadeira que pode compreender que há um tinha-de-ser mais real do que a verdade, e sobre o qual o sonhador ao acordar não se pergunta: "Será que foi apenas um sonho?" Pelo contrário, grita alto para o próprio Céu: "Por que fui acordar? Agora nunca mais voltarei a dormir de novo?"

Absalão, Absalão - Faulkner

terça-feira, 6 de abril de 2010

O carro de Kiarostami


O elemento recorrente do carro na filmografia de Kiarostami não denota um conjunto de fetiches, como foram os clichês hitchcockianos, ou um artifício simbólico, como os signos sócio-históricos abrangentes de Angelopoulos, mas um sentido de outra ordem, muito mais contemporâneo em sua premissa. O carro não tem conotação representativa de qualquer natureza – não é símbolo, arquétipo ou alegoria, nem aponta para sequer uma figura ou idéia que esteja além do que se vê – por outro lado, seu recurso tampouco nasce de um interesse meramente estético ou formalista. O carro de Kiarostami é uma montagem, um set up, ou um jogo que dispõe os elementos iniciais em uma formação específica, afim de que o misè-en-scene encontre nesta montagem um valor que só através dela pode encontrar. Assim, a ferramenta é o recurso de aproximação/distanciamento, e nunca um filtro que distorce a realidade que aborda. O que quer dizer – não interessa tanto a imagem do carro em suas camadas possíveis, e tampouco a distância que o carro gera entre o espectador e o real, mas o resultado deste jogo de isolar um homem do mundo em seu interior, o mise-en-scene que brota desta estrutura tomada como ponto-de-partida. O que só me leva a crer que o que adquire maior relevância no cinema-carro de kiarostami não é em hipótese alguma o real, termo que parece nem existir no vocabulário do diretor iraniano, mas, em definitivo, o resultado de uma determinada forma de misè-en-scene. Porque, no fundo, esta mesma estrutura parece nos dizer categóricamente que o cinema não é nada além de misè-en-scene.


A estrutura em carro tem seu envio histórico, ainda que seu berço não se resuma a isto: refere-se a um meio de modernização e aproximação territorial, de supressão das distâncias. É como um trem, porém dirigido pelo indivíduo auto-centrado. Os road movies norte-americanos da década de 70 procuraram nele uma possibilidade de liberdade, deslocamento e busca – o espírito yankee sempre foi um de tomar a liberdade individual como cerne e motor de qualquer processo histórico, desde o desenho de sua constituição onde o estado é anti-paternalista e o indivíduo luta contra o leviatã, as vezes vencendo, as vezes perdendo. Outras culturas enxergaram o mesmo evento como um problema. O tema remete a uma crise que se instaura com a globalização e criação de uma rede universal de comunicação, recorrente em outros filmes da década de 90, como O passo suspenso da cegonha de Angelopoulos, ou A Fraternidade é Vermelha, de Kieslowski – enquanto para Kieslowski a questão é teológica e para Angelopoulos é material e sócio-histórica, para Kiarostami, é antes de tudo uma questão de dispositivo, de meio. Kiarostami reclama ao carro a imagem-dispositivo do que se tornou o espaço público na vida moderna, em sua brutal ausência de compartilhamento e experiência – o veículo evidencia a distância entre o homem e o mundo, e a solidão que desta distância resulta. Utilizando-o como espaço de um esquema cinematográfico é que o diretor iraniano procura encontrar o quão próximos e o quão distantes, o quão frios e o quão humanos os homens se tornaram efetivamente por conta da introdução deste “meio”.

Em termos estritamente cinematográficos, suas crenças já haviam sido formadas em seus filmes pré-carro. Close up anunciou o princípio recorrente em sua carreira de buscar registrar estados de alma e emoções humanas em seu estado mais vívido. Contrapondo-se à figura do jornalista que é incapaz de pausar passivamente ao lado de um movimento do mundo, e que exige um primor técnico de áudio e imagem que pouco tem haver com emoções humanas, Kiarostami recorre ao plano-sequência afim de deixar correr no plano um estado de alma. Mas o plano-sequência não é um posicionamento ético neo-realista ou uma questão ontológica baziniana que busca abrí-lo às forças do mundo que escapam à intenção do ser humano. É um recurso cinematográfico tão expressivo quanto quaisquer outros, que traz em sua essência determinadas possibilidades do narrar associadas a uma aproximação íntima entre o aparato e o evento no mundo que o artista intenciona observar. O recurso do close up, mote do filme, é uma sucessão de primeiros planos balazianos onde as emoções de personagens, fictícios ou não, vem à tona e podem ser acompanhadas em “tempo real” para que possam ser entendidas em sua natureza mais própria.


O Gosto das Cerejas
aponta os limites de uma certa estrutura de vida no Irã dos anos 90, e realização cinematográfica dentro de um conjunto de valores. O carro surge como um vetor que movimenta território adentro um personagem altivo, isolado do mundo, capaz de estabelecer com o próximo nada mais que relações capitalistas contratuais. Busca pagar alguém para realizar um ato que está fora de quaisquer valores ético-religiosos, enterrá-lo após um suicídio de motivações taciturnas – “Você pode até entender o que eu sinto”, ele diz em determinado momento, “mas não pode sentir o que eu sinto”. A crise exposta é a do paradoxo da imagem elaborada a partir da janela de um carro – o carro como uma estrutura de vida moderna que observa a fluidez do mundo sem jamais ser capaz de se relacionar com o grande deserto bege e árido que está do outro lado. O carro é uma estrutura de relação com o mundo e de produção da imagem e da arte cujos limites de elaboração são evidenciados por Kiarostami. Não se trata de condenar o piloto tanto quanto de acreditar que seu modo de estar no mundo deve, para seu próprio bem, hibernar – não sabemos se comete suicídio de fato ou não. Apenas que há um limite claro do que é possível se observar, compreender e vivenciar a partir da janela de um carro, a partir de um dispositivo e recurso, e que este dispositivo deve pôr-se em estado de espera ou morte em determinado momento da história quando houver exaurido sua potência, para que possa, em outro momento, renascer com vigor. Como as amoras e as cerejas, é uma questão de estações que vêm e vão.

A alternativa é a ferramenta digital, um outro aparato capaz de se aproximar do mundo e observá-lo por outra perspectiva – abruptamente, os desertos áridos se tornam campos verdes repletos de vida, e a fria montagem em plano-contraplano é substituída por planos conjuntos de trabalho e vivência compartilhada, aproximada. No fundo, é menos uma questão de postura do homem e mais uma questão de dispositivo, e de como um determinado dispositivo evoca efeitos específicos no misè-en-scene (e impõe certas condições de trabalho). Sobretudo, de como um meio é mais apropriado a dar respostas a certas questões do que outro e, por isso, é mais apropriado a reverter certas situações épocais, como uma fruta está ligada à cada estação.


Seu filme seguinte, E o vento nos levará, não leva a reflexão adiante tanto quanto a desloca para uma espécie de cinemanovismo afim de, sob as mesmas bases assentadas, dar a conhecer qual é efetivamente a crise que um “mundo em redes” vivencia e os confins que a comunicação de massa é incapaz de compreender. Um jornalista vai a uma vila para fotografar um ritual de morte, e a premissa é arrojada desde as sequências iniciais – o fotógrafo deve largar o carro para trás para conseguir acessar o vilarejo. Também deve aguardar a morte da figura real para que possa fotografar seu fantasma. Nesta espera é que o personagem-central consegue se relacionar com um modo de viver instaurado naquela comunidade, e com a própria vida em si mesma. A informação global é aquela obtida pela janela de um carro, e que não carrega senão a morte do objeto do qual deseja se aproximar, quando o entendimento da vida está, pra além de questões morais, em um espaço acessível somente a pé, em um tempo de espera que recusa deslocamentos ou antecipações.



É principalmente a partir de então, em filmes como Dez, Shirin ou Five, que o carro perderá todo vestígio de conotação representativa e se tornará pura e simplesmente uma armação de misè-en-scene – o carro não quer dizer nada além do que ele é em si mesmo - um mecanismo que busca o mesmo que era procurado em Close up – estados de alma e sentimentos humanos - porém agora embarreirado pelas condições iniciais impostas pelo ethos de um período histórico onde o carro, mais que símbolo, é a pré-condição. Encontrar a humanidade dos relacionamentos e sentimentos dentro destes parâmetros virtuais contemporâneos se tornou sua possível obsessão, uma meta que o lança à uma investigação longe de se exaurir, que progride, adiante, em busca de respostas a perguntas que ainda fazem sentido, pondo em cena personagens novos à cada filme, para que um sistema como este, tão dependente da originalidade e profundidade de suas figuras, não se torne um repeteco, e que traga os frutos adequados enquanto ainda for sua estação, enquanto seu sistema ainda se sustentar.