segunda-feira, 8 de março de 2010

Nuvens de Março


Que brilho intermitente surge
da bruma de nossos sonhos
quando emerge a tempestade
no verniz de teus olhos?

Para onde vão os mortos
enterrados nestes campos
verdejantes, litorâneos?

Chovem lágrimas, relâmpagos
das nuvens de março.

Vi teu Deus andando
de muleta, nas veredas
tão perdido quanto nós
tão perdido quanto nós.

Vem que aqui a tarde é calma
e nada de terrível habita
quando, de mãos dadas,
apoiamos nossos ombros
para andar na escuridão.

Idades



A tradução do título do album seria "Declaração de dependência". E esta é a primeira faixa. Impressiona que o rock só tenha conseguido efetivamente desmontar os princípios da sociedade burguesa a partir do momento em que ele acabou. É como a história do direito desde o século XVI - tentando estabelecer contratos sociais e leis por 5 séculos, o que vemos é a história da formação de uma sociedade cada vez mais neo-liberal, onde a lei parece propôr ao mundo o seu exato oposto. No funo, tudo se opera por opostos, e é necessário que o rock execute algo mais do que a anarquia para que vejamos suas verdadeiras metas atingidas: a desconstrução é só o princípio de algo que deve ser re-elaborado.

O que mais impressiona é como atualmente surgem artistas pós-civilizatórios, em cujas obras parece que a única verdadeira opção para o homem contemporâneo seja fugir para o mato e re-encontrar o sentido de conexão entre homem-mundo (e homem-homem) perdida, quando a vida em sociedade só se tornou um fenômeno traumático - vide Blissfully Yours ou Mal dos Trópicos, do Apichatpong; Eureka, do Shinji Aoyama; ou até o processo de composição do For Emma, do Bon Iver.

Tenho a convicção de que esta perspectiva pós-civilizatória é algo de absolutamente novo na arte (ao contrário do pop, não gera a inspiração coletiva, ao contrário do rock, não desmonta um estatuto vigente - pelo contrário, pretende falar de um para um, o que será sempre mais do que dois). A filosofia, a sociologia (e o direito) e a psicanálise não parecem ainda ter conseguido acompanhar a natureza deste processo: à filosofia, é o momento de recorrer à figura única de Sócrates, cujas pretensões foram falar filosóficamente de homem para homem, e não para um estatuto acadêmico; À sociologia, de berço mais tardio, será preciso se renovar em absoluto para poder continuar sendo verdadeira - os índios, a política, o processo histórico, a situação prática dos meios de produção, a pedagogia das crianças e a instituição das leis penais parecem preocupações banais quando a natureza do problema é demonstrada na relação homem-mundo que estas mesmas preocupações construíram; à psicanálise, cabe reconhecer sua inefetividade prática e perceber que a sua necessidade na sociedade atual é antes um placebo que alimenta um vírus inquieto do que uma cura que corte o mal pela raiz, algo que também executa na prática o oposto do que propõe em teoria.

Fazer o que se a existência é antes ação do que reflexão, e se a reflexão só termina por gerar leis (sob os nomes cruéis que se querem isentas de responsabilidade: vontade, paixões, desejo, etc...) que, tal qual num corpus social, executam no corpo humano a ação diametralmente oposta à que se pretende...? Nunca Hegel teve tanta razão quanto ao que se pode observar no mundo real - o conceito, em sua efetividade, é exatamente sua antítese. Errou, porém, em achar que há uma ordem mesma que faça da antítese uma síntese que confirme o conceito em sua pureza - o que nos sobrou foi um mundo errático onde o indivíduo é incapaz de aprender com seus próprios erros.

Por isso, e só por isso, acredito que a arte sempre estará à frente.