quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um trecho de Faulkner


"Eu não desejava mais e não podia aceitar menos, pois aos dezenove anos já devia saber que a vida é um instante contínuo e perpétuo, onde o véu-de-arrás se estende dócil e até mesmo alegre sobre o-que-tem-de-ser, iluminando a verdade mais nua se nós tivermos coragem, formos corajosos o suficiente para (não sabios o bastante: não há necessidade de sabedoria) rasgá-lo. Talvez não seja a covardia que não nos deixe encarar essa doença a corroer a fundação básica desse esquema factual, onde a alma prisioneira, vertente-miásmática, se torce sempre em direção ao sol, repuxando suas tênues artérias e veias aprisionadas e aprisionando, por sua vez aquela centelha, aquele sonho - o sonho que, enquanto o pleno e esférico instante de sua liberdade se espelha e repete (repete? cria, reduz a uma diminuta esfera frágil e iridescente) todo o espaço e o tempo e a terra maciça, despojos da efervescente e miasmática massa anônima que em todos os tempos não tem apreendido a generosidade da morte como uma recriação, uma renovação, e então morre, desaparece, vai-se: não sobra nada. Mas é aquela sabedoria verdadeira que pode compreender que há um tinha-de-ser mais real do que a verdade, e sobre o qual o sonhador ao acordar não se pergunta: "Será que foi apenas um sonho?" Pelo contrário, grita alto para o próprio Céu: "Por que fui acordar? Agora nunca mais voltarei a dormir de novo?"

Absalão, Absalão - Faulkner

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