quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Elegia


Brindemos aos estrangeiros inquietos; aos que andam
com chagas nas pernas e passeiam, com o uísque solitário
da madrugada, no fundo da pressão das horas;
com a calma dos caçadores, e a seriedade
dos algarismos de um sarabande, vingar
uma mácula nesta santa complascência.

Nós, que elevamos os ombros e depositamos
o sangue diário em cada ato; que vamos mais longe
apesar das nódoas viscosas da existência; e agarramos
nos alpendres dos terremotos, nos moinhos dos furacões;
estendemos as mãos aos românticos, dizendo não haver
redenção neste mundo de discórdias.

Nós, desta matilha desunida, estes lupinos mancos
de olhos secos; rejeitamos a felicidade irrisória
dos saltimbancos, a ternura destes abraços que encerram
um ardor que nos condena a vagar, tal qual fantasmas,
espectros em busca de seus lençóis. Mas amamos,
como um porco-espinho de acúleos venenosos, e temos
os sonhos sóbrios de insensatez. Pois reconhecemos,
na rachura de nossos corpos, que portamos esta insígnia
do purgatório; um anseio, um ímpeto, uma brasa
que inflama a tocha dos santuários esquecidos.

Nós, que mergulhamos na angústia, sem a candura
dos bôbos-da-corte, sem as máscaras dos cínicos,
o medo dos estáveis ou a passividade dos serenos;
E que iremos, em qualquer direção, tombar neste solo baldio
as artérias de cada lombar despojada, para que possamos
fugir da perfeição do paraíso, ouvir os suplícios do mundo,
o turbilhão de gritos que nele se encerra; e erigir,
ao custo de nossa alma, com a sinceridade absoluta
de nossos olhos, uma réstia das verdadeiras catedrais.

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